“A raiva e o delírio destroem em uma hora
mais coisas do que a prudência, o conselho, a previsão não poderiam construir
em um século”
As pesquisas eleitorais mostram que sete
em cada dez eleitores desejam mudança no cenário político. Além disso, a
rejeição à classe política está altíssima. Essa combinação de fatores faz com
que se caia na tentação das revoluções. Não revoluções no sentido de guerras sangrentas, mas no
sentido de revolucionar toda a ordem antiga.
Volta e meia surgem clamores por uma
reforma política ampla, uma nova constituinte, a “destruição do Congresso”, um
“atentado a todos os políticos” ou qualquer ação que revolucione a ordem política
atual. Em que pesem os extremismos das ponderações, é fácil deixar-se levar por essa
vã esperança de que quando o povo acordar, ou quando escrevermos as leis corretas,
então tudo será diferente.
Edmund Burke testemunhou a revolução
mais ampla, mais inspiradora, e também mais repulsiva de que se tem notícia: a
Revolução Francesa. Em 1790, quando a queda da Bastilha e a Revolução
completavam apenas um ano, era grande a euforia que tomava conta dos europeus
que assistiam estupefatos à tomada do poder “pelo povo”. Parecia que o
despertar do povo finalmente daria fim à opressão de estruturas milenares, que
as luzes do conhecimento e da razão abririam um caminho de lucidez e
emancipação, e que toda a miséria e ignorância seriam solapadas pela construção
de uma sociedade justa.
Enquanto as flâmulas tricolores se
agitavam por Paris, e em toda França era entoada a Marselhesa, Burke, um cético
irlandês, não escondia sua desconfiança com relação àquele movimento popular.
Mas o que haveria de errado naquela conquista da liberdade, onde liberdade, igualdade e fraternidade eram
bradados com paixão por cada popular?
A Revolução, em sua sana para acabar com
o Ancien Régim, escolheu o caminho mais
fácil, o da destruição, daí a colocação que inaugura esse texto, dita por Burke
em suas Reflexões sobre a Revolução em França.
Que há mais fácil que empreender reformas pela abolição e destruição? Não se
exige habilidades ou qualificações especiais para tanto.
Para Burke, há valor na tradição política,
por mais cheia de vícios que ela possa se apresentar. A ideia é que as
instituições políticas transmitem-se às gerações posteriores como herança e
legado, de forma que cada geração herda um patrimônio de leis e liberdades e
sobre ele executa melhorias, que, por sua vez, serão repassadas às gerações
seguintes. Não se trata de cultuar o passado, mas de saber que há um vínculo
unindo os dias atuais aos pretéritos, e que não se está a criar institutos a
partir do nada.
Quanta ousadia seria desconsiderar tudo
o que se fez no passado firmado na arrogância de que apenas a geração presente
tem a solução mágica para os problemas da humanidade. Na política, maior é o
valor da tradição histórica do que das “teorias de gabinete”.
Conciliar um governo que estabelece a
ordem social com a liberdade de cada um é tarefa árdua, que não se fará de
repente, com revoluções sanguinárias e planos legislativos abstratos, mas em um
longo e lento processo de reforma e aprimoramento das instituições.
O mais valioso das ideias de Burke é que
ele as divulgou antes da Era do Terror, o que exprime a validade de suas predições.
E hoje ainda convive-se com a ilusão das
revoluções populares, preferíveis às reformas institucionais mais lentas. Em tempos
de eleições gerais, não se dê o povo às ilusões das revoluções baratas, que prometem
um futuro glorioso destruindo o passado.
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