Depois que a Copa começou e nossos hermanos
da América invadiram o Brasil com sua empolgação, a ficha parece que caiu de
uma vez: tirando o “Le-le-le-o, Brasil”
e o “Eu sou brasileiro, com muito orgulho,
com muito amor”, não temos gritos de guerra para torcer pela nossa seleção.
Enquanto isso, argentinos, chilenos e outros entoam canções de nos dar inveja.
Em Fortaleza, quase fomos engolidos pelo
coro mexicano, e aí a necessidade de mudar a situação se tornou urgente.
Reportagens e campanhas pelas redes sociais tentaram remediar essa carência da
torcida brasileira.
Em Brasília, no jogo Brasil e Camarões, pequenos
panfletos com cinco novos gritos foram distribuídos aos montes, e o CQC fez
esforço para disseminar o seu próprio grito. Em Belo Horizonte, Brasil e Chile,
foi a Brahma que se encarregou de distribuir flyers com os gritos. Além disso,
nos dois estádios, cada grupo de cinco pessoas tinha seu próprio grito. A
agitação das vozes e a vontade de dar certo dava a impressão de que poderíamos
reverter a situação. A festa fora do estádio, no entanto, não correspondeu ao
que se viu lá dentro, quando se ficou na mesmice do ‘Le-le-o’ e do ‘Eu sou
brasileiro’.
Por quê? Ora, trata-se de um problema
aonde ações individuais não produzem um bom equilíbrio público. Três argumentos
principais podem oferecer explicações.
1.
Problema do Free
Rider ou Carona
Em casos de bens
públicos, sempre surge o problema do free rider ou carona. O caso é o seguinte:
tem-se um bem público que trará benefícios gerais, mas depende do esforço
individual. O indivíduo esperto não contribui, mas espera usufruir os
benefícios do bem, pegando uma ‘carona’ no esforço dos outros.
O bem público,
no caso, é o grito de guerra novo sendo entoado por todo o estádio. Todos
querem ver isso acontecer, mas para isso tem de contribuir com suas gargantas. Como
os novos gritos ainda não estão bem sedimentados no repertório da torcida, a
pessoa não se arrisca a cantar sozinho ou com um grupo pequeno da torcida. Obviamente,
todos tentam pegar carona no esforço dos outros, e quando isso acontece,
segue-se que nenhum grito novo emplaca.
2.
Falha de
Coordenação
Além do problema
do carona, há também falha de coordenação. Vamos analisar a situação do torcedor.
Ele pode gritar ou ficar calado, apesar de querer que todos gritem em conjunto.
Ele pauta sua ação pelo que acha que os outros torcedores farão: se todos
gritarem, ele grita; caso contrário, ele fica quieto e não passa vergonha de
ser um torcedor maluco.
Temos, então, um
equilíbrio não ótimo, no qual todos esperam que os outros gritem e acaba que
ninguém grita. Para solucionar os impasses de falha de coordenação, é
necessário algum órgão central, como o Estado. No caso dos estádios, o órgão
capaz de coordenar a ação dos torcedores em direção ao equilíbrio ótimo seria uma
torcida organizada, por exemplo.
3.
Lugares
separados
O que poderia
fazer as vezes de torcida organizada como órgão de coordenação seria um grande grupo
de conhecidos. Suponha que trinta amigos fiquem perto uns dos outros. Entre
eles, há coordenação perfeita, pois todos sabem que o outro irá gritar junto. Esse
número pequeno, portanto, é capaz de produzir um barulho considerável, que
rapidamente se alastra pelo estádio.
Mas como a Fifa
só permite apenas quatro ingressos por comprador, o mais comum é que isso não
ocorra. Está aí também a razão pela qual torcidas relativamente pequenas, como
a do Chile e do México, compitam em volume com a torcida brasileira,
infinitamente maior. É mais provável que haja ali um grande grupo de amigos.
Mesmo que sejam meros desconhecidos, pode-se supor que os que vão assistir copa
do mundo em outro país são torcedores mais empolgados e desinibidos, que conseguem
coordenar suas ações rapidamente.
***
Como se vê, nossa
fraca torcida não se deve ao desânimo ou à falta de criatividade; é um problema
econômico complexo. Algumas coisas podem quebrar esse ciclo. Uma sintonia plena
e espontânea entre os torcedores, uma campanha ampla por um grito novo (e não
vários), e mesmo os processos de aprendizado com os gritos novos. O mais
provável é que ocorra a última. Pena que descobrimos isso em plena copa...
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