A abertura das
Olimpíadas Rio 2016 reuniu uma variedade de artistas para mostrar a riqueza
cultural da cidade. Algumas unanimidades, como Jorge Ben Jor e Caetano, outras
nem tanto, como Anita e MC Sofia.
Transitando
entre a bossa nova da zona sul, o samba nos morros e na passarela, o hip hop e
o funk nas periferias, a cerimônia buscou apresentar uma imagem eclética de um
Rio de Janeiro inclusivo. E nesse espírito foi louvada a performance de Karol
Konka e MC Sofia. Apesar do quase anonimato e da qualidade musical
questionável, tratava-se de representantes legítimas do Rio: duas jovens,
mulheres, negras e da periferia. Como esperar algo mais representativo dessa
cidade berço do samba, construída na base da escravidão, e cujas favelas compõe
a silhueta da paisagem?
Se o critério foi
mesmo a representatividade da população, então faltou na abertura da Rio 2016 a
música gospel entoada em alguma igrejinha pentecostal da periferia.
Saindo do campo
artístico para o político, a eleição de Marcelo Crivella para a prefeitura
escancarou esse abismo entre maioria da população e representatividade efetiva.
Aliás, não foi
um ponto fora da curva na história da ex-capital do império. Basta voltar dois
anos atrás e analisar a preferência dos eleitores fluminenses nas eleições de
2010 para o cargo de deputado federal:
Primeiro mais
votado: Jair Bolsonaro, com 464 mil votos.
Segundo mais
votado: Clarissa Garotinho, com 335 mil votos.
Terceiro mais
votado: Eduardo Cunha, com 232 mil votos.
Todos os três
são políticos conservadores, sendo que os dois últimos frequentam igrejas evangélicas.
Agora, com a eleição de Crivella, quase 60% do município do Rio escolheu como
prefeito um bispo da Igreja Universal.
Há nos círculos
intelectuais e acadêmicos uma repulsa mais ou menos consensual sobre o que se
enxerga como “onda conservadora”, ou seja, um fenômeno popular que executa
ideias fascistas e coloca em risco direitos fundamentais. Sob o viés dessa lente,
cabe reunir as forças progressistas e “de bem” para lutar contra o avanço desse
exército inimigo, com o qual não há diálogo.
Cria-se uma
polarização radicalizada. De um lado, o avanço consistente de partidos de
direita, de ideias conservadoras e, em alguma medida, do discurso religioso. Do
outro, uma repulsa irreconciliável com essas ideias e uma tentativa pueril de ignorá-las
como um fenômeno real.
A dicotomia não
se restringe ao Brasil. Na Europa, por exemplo, a questão migratória e a saída
do Reino Unido da União Europeia mostram outra faceta da discussão. No caso,
observa-se em um dos polos o crescimento do nacionalismo, dos partidos de
direita e uma crítica às políticas migratórias; no outro polo, uma vertente
humanitária, inclusiva, “do bem”, que faz uma crítica ferrenha, agressiva e com
ares de superioridade ao outro lado.
Aí mora o
perigo. Grupos populares sem voz ou representação política são o ingrediente
para a aparição de demagogos. Trump está aí para provar. Um dos slogans de sua
campanha era: “The silent majority stays with Trump” – “A maioria silenciosa
está com Trump”. A força política de minorias organizadas muitas vezes esmaga
uma maioria que fica silenciada e suscetível ao discurso não raro irresponsável
de políticos oportunistas.
De todo modo, o fenômeno está posto. Apesar de se defender a
representatividade simbólica de MC Sofia e Karol Konka, o fato é que Crivella foi
eleito prefeito do Rio. Tratar a eleição do bispo com chilique e empáfia não
ajuda no diálogo político.
Nenhum comentário:
Postar um comentário